Kitsch
O Kitsch é um termo de origem alemã (verkitschen) que é usado para categorizar objetos de valor estético distorcidos e/ou exagerados, que são considerados inferiores à sua cópia existente. São freqüentemente associados à predileção do gosto mediano e pela pretensão de, fazendo uso de estereótipos e chavões que não são autênticos, tomar para si valores de uma tradição cultural privilegiada. Eventualmente objetos considerados kitsch são também apelidados de brega no Brasil. A produção Kitsch surge para suprir a demanda de uma classe média em ascensão, que não conseguia entender e aceitar a arte de vanguarda, com suas propostas inovadoras, mas desejava participar do "universo da arte. Esta parte da população não teve a sensibilidade artística educada e, portanto, não desenvolveu o gosto, mas queria parecer culta e apreciadora da arte, porque isto lhe conferia statussocial
[editar]Características do Kitsch
- Princípio de Inadequação: Ao deslocamento, junta-se a inadequação da forma, do estilo, do contexto, da função, de uso. Desvio em relação à finalidade, tamanho (abridores de garrafa gigantes), falsificação de materiais (flores de plástico), estilos contextos (anjos barrocos de gesso, para estantes) figurações em objetos utilitários (pêra de cristal, como baleiro). Funções secundárias que acabam suplantando a função principal, funções múltiplas em um único objeto. A inexistência de uma relação do tema com a estrutura geral da obra.
- Principio de Acumulação (ou Empilhamento): Objetos diversos sem um sentido, que possuem valor emocional e de baixo custo, que vão sendo acumulados sem uma unidade de adequação.(enfeites de geladeiras, cerâmicas, bibelôs). Além de tornar ambientes kitsch, também pode tornar pessoas em kitsch, quando ocorre o demasiado uso de enfeites ou adornos corporais. (brincos, colares, pulseiras, echarpes, etc).
- Percepção Sinestésica: O maior uso dos sentidos para impressionar o espectador, imagem, som, aromas (cartões de namorados perfumados). Repetição exaustiva de mesmos signos com significados semelhantes.
- Principio de Mediocridade: com tantos artifícios, inadequação, acumulação, percepção sinestésica, o kitsch chega próximo do vulgar, mas essa mediocridade facilita a absorção do consumidor. Nem feiúra nem beleza extremas: esses são valores absolutos, que fogem do intuito do kistch.
- Principio de Conforto: o que não cria problemas agrada; enche a vida da sociedade de consumo de sensações, emoções e pequenos prazeres (objetos cotidianos).
O kitsch está em todas classes sociais; é um elemento de nivelação social e histórico consumido indiscriminadamente por todos. Independente das diferentes possibilidades de status que o objeto kitsch possa suscitar, agrupa-se o kitsch em categorias: religioso (terços saturados de imagens), sexual (canetas com mulheres nuas), exótico (paisagens havaianas, indianas de fundo), doce (anões de jardim),amargo (cobras, esqueletos de plástico fluorescentes), político (insígnia de partidos políticos em chaveiros) e também as combinações entre estas.
O kitsch se propõe a valores sublimes. A literatura de mau gosto feita com intenções comerciais e que usam o "efeitismo" - o efeito, a emoção sentidos pelo leitor são esperados e iguais. Músicas, novelas e até a arquitetura: um edifício ou uma casa no estilo neoclássico, típico do século XIX, com falsa colunas gregas de concreto e falsos frontões é Kitsch porque deslocado no tempo, feito de materiais contemporâneos e inadequado ao uso. Uma construção neoclássica não responde às necessidades de vida do século XXI, precisando, para isso, ser adaptada, deformada, tornando-se, assim, simplesmente um cenário. Podemos citar o Castelo de Brennand, no Recife, ou a forma com que se autodenomina a cidade de Garanhuns em Pernambuco ("Suíça Brasileira").
Essas características conjugadas do Kitsch agem sobre nosso sentido nos causando um "curto-circuito" da sensibilidade.
[editar]Análise do Kitsch na obra "A Insustentável Leveza do Ser"
Para além das definições técnicas do que é o Kitsch, existe o sentido filosófico da palavra, que transcende as questões de gosto ou preferência artística. O escritor tcheco Milan Kundera, na sexta parte de seu romance "A Insustentável Leveza do Ser", reflete a este respeito lembrando que, após surgir na "Alemanha do sentimental século XIX”, esta palavra se espalhou pela maioria das línguas, perdendo pela repetição seu sentido metafísico original. Em essência, o Kitsch seria a tentativa de exclusão de tudo o que há de inaceitável e contraditório na existência humana. Seria, portanto, a negação absoluta (literal e figurada) da merda, em suas palavras.
Fazendo uma das mais originais reflexões a respeito da estética do Kitsch e suas raízes metafísicas, Kundera inicia seu raciocínio abordando o problema teológico da merda – segundo ele, mais penoso do que a questão do Mal. Afirmando que as únicas perguntas realmente sérias são aquelas que podem ser formuladas por uma criança, recorda suas dúvidas infantis frente às gravuras de Gustave Doré em uma edição do antigo testamento, mostrando Deus como um senhor de espessa barba e expressão severa. Se Deus é a imagem modelo do homem – pensava ele – e, como nós, possuía boca, olhos e nariz, então deveria possuir intestinos que deveriam funcionar de forma semelhante aos nossos. A criança que ele era intuía o que havia de sacrílego nesta decoberta involuntária da fragilidade fundamental da antropologia judaico-cristã: “ou o Homem foi Criado à imagem e semelhança de Deus – e então Deus possui intestinos –, ou Deus não tem intestinos e não nos parecemos com ele”. Conclui em seguida: “”Deus dá liberdade ao Homem, e podemos admitir que ele não é o responsável pelos crimes da Humanidade. Mas a responsabilidade pela merda cabe inteiramente àquele que criou o homen, somente a ele.”
Mais adiante, Kundera retoma a alegoria teológica para identificar, enfim, o que para ele é a origem metafísica do Kitsch: o “Acordo Categórico com o ser”. Afirmando que, muito mais importante e real do que o debate entre os que crêem na criação divina do universo e os que crêem no acaso, é a diferença entre “(...) aqueles que contestam a existência tal como foi dada ao Homen (pouco importa como e por quem) e aqueles que aderem a ela sem reservas”. Identifica, assim, duas posturas básicas perante a vida: o hábito do questionamento frente aos fatos e às coisas; e a existência passiva, sem maiores questionamentos filosóficos. No primeiro caso, faz-se necessário uma genuína curiosidade pelas coisas e pela vida em si, uma imaginação no mínimo desperta, e uma boa dose de originalidade e de interesse no inusitado. No segundo caso, basta aceitar e aderir sem reservas ao dito “senso comum”, adotando o “Acordo Categórico com o Ser” como parâmetro fundamental para a concepção da existência.
O “Acordo Categórico com o Ser” tem suas raízes no primeiro capítulo do gênese, segundo o qual o mundo foi criado como deveria ser, o ser humano é bom e, portanto, sua função é procriar. Para o autor Tcheco, tal noção está tão enraizada na cultura ocidental que pode ser visualizada por trás de todas as crenças européias, sejam elas Políticas, Religiosas, “Científicas” ou Artísticas. Para ele, a “objeção à merda”, tão comum na cultura oficial até bem pouco tempo atrás, é de ordem metafísica: “(...) defecar é dar uma prova cotidiana do caráter inaceitável da criação. (...) Ou a merda é aceitável (...), ou Deus nos criou de maneira inadmissível”. Assim, o “Acordo Categórico com o Ser” tem por ideal um mundo no qual a “merda” é ignorada, onde todos se comportam como se ela não existisse. Tal ideal estético é o que Milan Kundera identifica como KITSCH.
Tal raciocínio é extremamente original, já que permite aplicações mais amplas da noção de Kitsch, relacionando a sua estética com questões ideológicas, comportamentais, políticas, etc... Com tal artifício, o autor se vê munido de uma lente sob cujo prisma analisa, por exemplo, o Comunismo Soviético (“... o que a repugnava não era tanto a feiúra do mundo comunista... mas a máscra de beleza com que ele se disfarça, ... o kitsch comunista.”), o Olhar míope dos EUA sobre o resto do mundo (no episódio do Senador emocionado com os netos brincando no gramado, demonstrando compaixão e compreensão a uma “refugiada” Tcheca), a produção cultural da Europa Oriental (“... na mais cruel das épocas, os filmes soviéticos ... eram impregnados de uma incrível inocência... Eles descreviam o ideal comunista, enquanto a realidade ... era bem mais sombria.”), a política em geral (“O Kitsch é o ideal estético ... de todos os movimentos e partidos políticos.”) e a sociedade como um todo (“A fraternidade entre todos os Homens não poderá ter outra base senão o Kitsch”) Segundo esta noção, o Kitsch apela para o sentimentalismo, alimentando-se de imagens-chave – a Filha Ingrata, a Pátria Traída, as Dores do Amor, Homens Públicos beijando Criancinhas, a Heroína injustiçada, o Patriota Sacrificado, etc... – e ignorando o insólito, o original. A síntese perfeita desta passagem é o trecho:
“O Kitsch faz nascer, uma após a outra, duas lágrimas de emoção. A primeira lágrima diz:
– Como é bonito crianças correndo no gramado.
A segunda lágrima diz:
– Como é bonito ficar emocionado, junto com toda a humanidade, diante de crianças correndo no gramado.
Somente esta segunda lágrima faz com que o Kitsch seja o Kitsch.”
Outro aspecto interessante do raciocínio de Milan kundera é a identificação de várias espéces de Kitsch: o Kitsch católico, o Kitsch protestante, o Kitsch judeu, o Kitsch comunista, o Kitsch fascista, o Kitsch democrático, o Kitsch femisnista, o Kitsch europeu, o Kitsch americano... Todos com seus clichês e imagens-chave. O Mais discutido por ele é o Kitsch totalitário, numa crítica aos regimes ditatoriais e sua típica perseguição ao individualismo. Numa sociedade politicamente plural o indivíduo pode “proteger sua individualidade e o artista pode criar obras inesperadas”. Já em sociedades dominadas por um partido único, reina o Kitsch totalitário, que hostiliza toda a manifestação de individualidade (“toda discordância é uma cusparada no rosto sorridente da fraternidade”), ceticismo e a própria ironia (“porque no reino do Kitsch tudo deve ser levado a sério”), assim como indivíduos destoantes do contexto social tradicional, como homosexuais e mulheres independentes, mães solteiras, Artistas independentes e livres pensadores, etc... O Homem que Interroga é identificado aqui como o verdadeira adversário do Kitsch totalitário. “A pergunta é como uma faca que rasga o pano de fundo do cenário para que se veja o que está por trás”.
Podemos fazer uma analogia interessante deste cenário político com o universo da cultura de massa atual, onde determinados “nichos de mercado” (em especial no campo da música popular) são dominados por poucas e grandes empresas do “entretenimento” que obedecem a regras – segundo alguns, na maioria das vezes arbitrárias – quase ditatoriais para distribuir e divulgar a produção cultural, encarada como um produto que deve se enquadrar nas exigências do mercado, baseando-se na pesquisa das tendências gerais de consumo (que, obviamente obedecem ao padrão médio das imagens-chave que formam o Kitsch de determinado grupo). É de conhecimento público a falta de originalidade e de conteúdo de boa parte das várias superproduções da cultura de massa atualmente, não raro disfarçada por uma máscara de pretensão e pseudo-sofisticação conceitual.
Todo grupo social, portanto tem seu Kitsch e necessita de certezas e verdades simples que possam ser assimiladas pelo maior número de pessoas possíveis. Desta forma é que, mesmo os grupos políticos que combatem o totalitarismo de um regime de partido único acabam por criar seu próprio Kitsch totalitário (que nega e exclui não só as imagens-chave do Kitsch rival, mas qualquer outra manifestação individual e original que não corresponda às suas próprias imagens-chave), sendo esta uma característica intrínseca não só do embate político, mas da maioria das relações entre grupos distintos, sejam eles culturais, religiosos, etc... Fazendo, novamente, uma analogia no campo da cultura de consumo em massa, é comum vermos hoje a consolidação de uma série de clichês no universo das iniciativas que deveriam ser uma alternativa ao monopólio das grandes corporações na produção cultural (musical, cinematográfica, literária). O surgimento de um, por assim dizer, "Kitsch underground", ou “Kitsch ant-Kitsch”
Por fim, o reconhecimento e a aceitação do autor de que, “por maior que possa ser nosso desprezo por ele, o Kitsch faz parte da condição humana” – identificando-o inclusive em Sabina, a personagem do romance que personifica a negação ao Kitsch – , nos dá uma pista sobre qual seria a maneira mais coerente de lidar com esta “realidade incômoda” aos espíritos mais sensíveis. Ao reconhecer o Kitsch como o que ele verdadeiramente é – mais uma fraqueza humana – , ele perde seu poder totalitário. No momento em que é reconhecido como mentira, ele passa para o contexto do não- Kitsch, e pode-se conviver com ele. Pode-se emocionar com um filme sentimental, pode-se empolgar com uma música dita “brega” sem necessariamente se estar rendendo à ditadura do Kistch. Isso só aconteceria no caso de se deixar cegar pelas emoções surgidas das imagens-chave do Kitsch em questão, sem maiores reflexões ou tentativas mais amplas de entendimento. No caso de se deixar verter a “segunda lágrima de emoção” que torna Kitsch o Kitsch.
[editar]Bibliografia
- Moles, Abraham. O Kitsch. Ed. Perspectiva
- Eco, Umberto. "Apocalíptico e Integrados". Ed. Perspectiva
- Maria Lúcia de Arruda Aranha e Maria Helena Pires Marins. Temas de Filosofia. Ed. Moderna.
- KUNDERA, Milan. A insustentável leveza do ser. São Paulo: Ed. Companhia Das Letras, 1999.
- Susan Sontag, “Notes on ‘Camp,’”
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